O barquinho
Um lugar onde eu possa não ser eu... Mas onde não escapo de mim mesmo.
Sei o que você está pensando de mim, mas me desculpe, dessa vez você está errada...
Isso que você vê em mim, e tanto critica, não é uma máscara, mas sim uma muleta.
Porque, sem isto, eu simplesmente não consigo.
Sem isso, simplesmente não dá para continuar a andar.
Sem isso, eu não vejo mais motivos para prosseguir...
Então não.
Não é uma máscara.
Não estou escondendo meus sentimentos e o que eu realmente sou.
É uma muleta.
Nada mais do que uma simples e frágil muleta...
Todo mundo sempre me disse que não era pra eu acreditar em você.
Todo mundo me disse que tudo aquilo era só uma ilusão...
Um castelo de sombras...
Mas mesmo assim, eu sempre acreditei...
Mesmo assim, eu dei minha cara a tapa por você e me machuquei, me cortei, inúmeras vezes.
Incontáveis vezes eu escutei que você não existia. Mas eu, teimoso, insistia em acreditar.
Acreditava porque, de vez em quando, algumas vezes com mais freqüência, você dava mostras de ser verdade. Mas, de alguma forma, sempre parecia escapar.
Mas agora...
Agora não dá mais.
Foram muitas feridas para eu continuar...
Pois é...
Quem diria...
Logo eu, a desistir de você?
Não sei...
Acho que, de alguma forma, você vai continuar aqui, escondido em algum canto...
Porque, enquanto eu não tiver provas de que a minha Moby Dick é realmente tão somente uma monstruosidade mecânica, acho que eu nunca deixarei realmente de acreditar.
Mas, por hora, são poucos os motivos que me convencem a continuar a procurar.
São muitos os motivos para deixar de acreditar.
Pois é, logo eu, um de seus maiores defensores.
Pois é. Me desculpe, mas... Aquela fruta já não tem mais o mesmo gosto.
- Tome outra dose.
E ele tomou, e o líquido desceu amargo pela garganta.
- Outra.
Bebeu novamente, a contragosto.
- O que foi? Não era isso que você queria?
E ele respondeu que era, era sim. Era o que ele queria. Antes. E no começo, aquilo estava lhe fazendo bem. Mas não agora. Agora estava difícil beber.
- Vamos, engula tudo. É bom pra você, te fará bem.
E ele bebia, cada vez com mais dificuldade. E parecia que não estava lhe fazendo bem. Aquilo lhe dava ânsias, revirava seu estômago! Não lhe dava mais aquela paz, aquela sensação boa do começo. E ficou pensando se aquilo tinha sido realmente bom, ou ele estava só mentindo pra si mesmo, tentando se convencer de que deveria ser bom.
- BEBA!
Mais um gole forçado. E ele continuava bebendo, dizendo a si mesmo que um dia aquilo lhe faria bem. Mas estava difícil agüentar. Ele queria levantar, sair daquela mesa, dizer “CHEGA, cansei dessa bebida maldita. Ele não me fará bem e só agora percebo isso”. Mas tinha medo. E se um dia aquilo fizesse efeito? (BEBA!) E aquela máscara em seu rosto também lhe fazia bem. Trazia uma proteção muito grande. Ele sabia que era falsa, que não correspondia a ele, mas por trás dela se sentia seguro. Mantinha seus verdadeiros sentimentos protegidos, enquanto ele tentava afogá-los com aquela bebida de gosto acre.
- Vamos, mais um pouco...
E ele engolia, sem forças para se levantar e dizer chega. Segurava-se à idéia de que se ele fosse forte, e ficasse ali, tudo se resolveria. Um dia. E bebia mais um pouco. Mas se sentia cada vez pior. Mas bebia mais um pouco. E o mundo passava lá fora. Ele sabia que tinha gente esperando por ele lá fora, sabia que um dia precisava sair daquela letargia. Mas tinha medo e odiava admitir que tinha medo. Já não era mais tão fácil ficar ali sentado. Mas sentia que se levantasse, perderia o jogo. E odiava perder. Odiava se sentir fraco. Odiava ter que buscar forças em outro lugar. (Mais um gole!). Mas antes estava mais fácil se sentar ali. Por que é que estava ficando tão difícil? Por que é que o maldito “remédio” já não fazia mais efeito (se é que algum dia realmente tinha feito...).
Aquela situação tinha que se resolver. De uma forma ou de outra. Mas não hoje. Não agora. Agora ele só podia beber. E esperar pelo melhor...
que está chegando agora.
- Ela vem, ela vai, ela corre, ela chega.
Ela fica, ela volta, espera, foge outra vez.
Ela é móvel, ela é o vento, dinâmica, veloz...
...
E ele espera.
Aguarda.
Ele a vê, e sente inveja.
Mas espera, e ela demora.
E ele espera, espera.
...
Mas ela não volta.
...
Ainda assim,
ele espera.
Espera com a felicidade de quem sente saudade.
Espera com a tristeza de quem sente falta.
(18-10-2007)